A FLAC - Feira Livre de Arte Contemporânea vem desde 2017 promovendo a aproximação do público com o universo das artes visuais de Minas Gerais. Sua 3ª edição, que acontece de 23 a 26 de novembro na Galeria Mama / Cadela não vai ser diferente. Em formato inédito, a Flac promoverá uma exposição de artistas mineiros selecionados por meio de convocatória, além de promover ações educativas, como mini oficinas, visitas temáticas e rodas de conversas.
Júlio Martins (editor, escritor e professor, mestre em artes plásticas pela Escola de Belas Artes da UFMG) e Soraya Martins (atriz, professora de literatura brasileira, pesquisadora, crítica e curadora de teatro) compõem a Comissão Curadora responsável por selecionar os artistas desta edição. “Nos empenhamos em viabilizar ao máximo a rica diversidade de propostas artísticas evidenciada nas inscrições. Estamos instigados pela experiência de montar uma exposição coletiva com os artistas selecionados”, conta Julio. “Estar na curadoria da terceira edição da FLAC é a possibilidade de submergir no universo sensível, crítico, subjetivo e objetivo das/os artistas, para dessa imersão dar a ver fazeres criativos tecidos por miradas de muitos olhares e com muitas e várias mãos em ação”, completa Soraya.
Fazem parte da 3ª edição da FLAC - Feira Livre de Arte Contemporânea: A Sol Kuaray (@a.solkuaray), Alisson Damasceno (@alissondamasceno_), Angelo Arantes (@angeloarantess), Ariel Ferreira (@leiraatsoc), Armando Ribeiro (@armandoborun), Bárbara Elizei (@barbaraelizei.art), Cabeça Vazia (@cabecavazia), Daura Campos (@dauracampos), Diego Vinicius (@diegorazzil), Dri Sant’ana (@drisanttana_), Gustavo Machado (@gustavomachadooooo), Humberto Mundim (@hmundim), Iramara (@ira.marah), Jean Belmonte (@jmrblt), João Maciel (@joao108maciel), Lívia Lopes (@liv_lopes_), Lucas Skritor (@skritor), Mariana Marinato (@marianamarinatos), mel la del barrio (@meeeeeelz_), Renata Laguardia (@renatalaguardiaxavier), Rico Maciel (@ricohmaciel), Roberto Eterovick (@beto_eterovick), Rodrigo Mogiz (@atelie_mogiz), Samuel Maria (@samuelgarciadealcantara), Saulo Pico (@saulopico), Tikka Sobral (@tikkasobral), Tolentino Ferraz (@tolentino.embroidery) e Wilson Ferreira (@wilsonferreira.bh).
Mais sobre cada artista, obras à venda e outras informações no site da FLAC https://flac.art.br/
Programação
Com o tema ‘arte contemporânea e imediações’, a proposta para as ações educativas desta edição é construir diálogos transversais sobre o ofício do artista e os desdobramentos que desse lugar se originam. Experimentações e pensamento crítico acerca do cenário cultural atual, artista, obra, tempo, memória, territórios, identidade, diversidade, processo artístico e outros lugares possíveis para o artista, serão premissas para as visitas temáticas: mediação de bolsa, mini oficinas e rodas de conversa.
“Nesta edição daremos protagonismo a alguns artistas que participaram da primeira edição da Feira Livre de Arte Contemporânea, tanto abordando suas obras nas ações educativas, quanto com a participação presencial de Luana Vitra, Marcel Diogo e Rafael Perpétuo nas rodas de conversa, em que irão partilhar com o público as imediações em torno da arte contemporânea que hoje atravessam suas trajetórias” conta a coordenadora Marci Silva.
23/11 - Quinta-feira, 18h
Abertura da exposição da FLAC na Galeria Mama / Cadela, com projeções de NEEMS, bar com comidinhas e bebidas e sets do Dj Rasfael passeando por vários estilos: do Funk ao Rap, do Punk ao Eletrônico passando pela França, Jamaica e muita Brasilidade.
24/11 - Sexta-feira
De 10h30 a 11h_Visita temática: Mediação de Bolsa “O artista está presente”
De que maneira um corpo se faz presente? Convidamos os visitantes a refletir sobre a “presença” do artista a partir de um recorte da exposição, focando em algumas obras e conceitos-chave que serão premissas para um diálogo com os educadores.
11h a 12h_Mini Oficina “O corpo desenha” [público infantil]
A oficina propõe a percepção do corpo e suas características, partindo de movimentos corporais rotineiros para compreender o desenho no espaço; linhas, curvas, formas, cores, movimento. A partir dessa motivação os participantes irão ilustrar com o desenho corporal algumas histórias que serão narradas pelos educadores.
De 15h a 15h30_Visita temática: Mediação de Bolsa “Processos artísticos e suas ramificações”
Os visitantes receberão uma bolsa com o tema “Processos artísticos e suas ramificações”, contendo elementos diversos que serão dispositivos e ferramentas para serem utilizadas durante o percurso de visitação. Ao final do percurso o educador irá propor um diálogo com os visitantes sobre a experiência e suas descobertas em torno do tema proposto.
De 16h30 a 17h30_Mini Oficina “Assemblage: Desdobramentos da matéria” [público livre]
Assemblage é um termo francês que significa “montagem”. Na assemblage materiais variados podem ser incorporados a uma obra de arte, por colagem ou encaixe.
Minério de ferro, ferro e ferrugem são alguns dos materiais que serão utilizados para construção de assemblages na oficina “Assemblage: Desdobramentos da matéria” que tem como referência o trabalho da artista mineira Luana Vitra.
19h_Roda de conversa com Rafael Perpétuo
“arte contemporânea e imediações: Arte além do fazer (carreira e outros modos de ser artista)”
24/11 - Sábado
De 11h a 11h30_Visita temática “Pensamento criador - O público e suas inquietações”
Tendo como referência o livro “O espectador emancipado” do filósofo Jacques Ranciére, esta visita irá construir um diálogo com os visitantes a partir de questões que atravessam a experiência com o espaço expositivo, os artistas e suas obras, propondo uma troca de saberes e perspectivas do ponto espacial e teórico onde se encontram esses corpos atuantes.
De 14h a 15h_Mini Oficina “Poema objeto: dentro e fora do texto” [público livre]
No poema objeto, o texto sai do papel, comunica-se a partir de sua própria estrutura, sendo seu formato imprescindível para expor as ideias. É partindo dessa premissa que os participantes serão convidados a elaborar novas escritas que se reconfiguram em objetos tridimensionais e outras expressões, por meio de textos e objetos de uso cotidiano, possibilitando a utilização de recursos do design e das artes visuais.
Serão apresentadas, por meio de imagens, algumas obras de artistas que se debruçaram sobre essa forma de expressão artística: Márcio Sampaio, Edith Derdyk e Paulo Bruscky.
De 15h30 a 16h_Visita temática: Mediação de bolsa “Ancestralidade”
Os visitantes receberão uma bolsa com o tema Ancestralidade, contendo elementos diversos que serão dispositivos e ferramentas para serem utilizadas durante o percurso de visitação. Ao final do percurso o educador irá propor um diálogo com os visitantes sobre as experiências e descobertas em torno do tema proposto.
19h_Roda de conversa com Marcel Diogo
“Entre o alívio e o constrangimento, o que não é visto nas imediações”
Um rio é uma coletividade. Abarca águas, terras, vento, ar, seres, o que se vê, o não visto… Um olhar seco enxerga apenas superfície e corpo-d’água. O submerso também flui. Mergulhar exige coragem. A nau da colonização afoga diferenças e, embora tente esconder, no espelho d’água boiam diversos corpos.
26/11 - Domingo
De 11h a 12h_Mini Oficina “Carimbaria: recriando imagens com elementos da natureza” [público infantil a partir de 5 anos]
Carimbaria é um convite à conexão com a natureza a partir da utilização de técnicas artísticas variadas, tendo como ponto chave os materiais orgânicos para experimentações e feituras.
De 14h a 14h30_Visita temática “Paulo Nazareth e o corpo como território”
A visita temática propõe uma conversa sobre o corpo território como um conceito na Arte Contemporânea brasileira utilizando, como referência, o trabalho “Notícias da América” do artista Paulo Nazareth, artista participante da FLAC 2017.
De 16h a 16h30_Visita temática: Mediação de Bolsa “Chronos e Kairós: Como nos relacionamos com o tempo nos dias atuais?”
A experiência relacional com o tempo é percebida e discutida a partir de imagens que referenciam a instalação intitulada Posta, da artista Nydia Negromonte, exposta na 30ª Bienal de São Paulo. A obra, de 2012, foi realizada a partir do encapamento com argila crua de aproximadamente 90 quilos de hortaliças, reunidas sobre uma grande mesa de madeira.
A mediação de bolsa propõe ao visitante uma reflexão sobre o tempo na arte contemporânea a partir de uma bolsa cheia de objetos, imagens e trechos de textos disparadores para uma visita temática autônoma e investigativa. Ao final da visita, os visitantes entregam a bolsa ao educador, juntamente com suas sensações e apreensões oriundas dessa experimentação.
De 18h a 19h30_Roda de conversa com Clara Rocha
“arte contemporânea e imediações: a ética do cuidado na arte”
A ética do cuidado questiona as teorias morais tradicionais, e se apresenta como uma prática aplicável à vida política e social e não limitada à esfera da família e da amizade. Buscamos explorar o conceito de cuidado no campo da arte relacionado ao trabalho reflexivo, às diferentes camadas que se constitui no contexto artístico, ao feminismo, ativismo e também as experiências comunitárias na arte.
A programação completa está disponível no site https://flac.art.br/
Para mais informações, por favor entre em contato.
Este projeto é patrocinado pela MGS S.A. e realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte.
Serviço
FLAC - Feira Livre de Arte Contemporânea
Data: 23, 24, 25 e 26 de novembro
Horário:
Quinta-feira, 23/11, das 18 às 22h
Sexta-feira, 24/11, das 10 às 22h
Sábado, 25/11, das 10h às 22h
Domingo, 26/11, das 10h às 21h
Local: Galeria Mama / Cadela
Rua Pouso Alegre, 2048 - Santa Tereza, Belo Horizonte/MG
Gratuito
@flacbh
https://flac.art.br/
“Benção, Tché Yazo.” é o nome da exposição da artista de Goiânia Hariel Revignet na Mitre Galeria. “Danadinha! Que moça danada, essa Hariel Revignet - Foi a primeira coisa que exclamei quando entrei na galeria. Não houve conversa, interlocução ou imagens que me fizesse prever o que nos esperava ou o impacto das obras no espaço, suas pinturas-instalações, costuras-amarrações”, conta a curadora, antropóloga e professora Ana Paula Alves Ribeiro.
“Algo que está presente em todas as obras desta exposição é o Zigida ou Sikida, símbolo de riqueza e sensualidade, arma de sedução, fio de contas que fica abaixo do umbigo das mulheres e atrai fertilidade. Vendido em mercados e fazendo parte de várias culturas africanas, o Zigida é também objeto ritual, cujo significado é passado de geração em geração, pelas mãos das mais velhas, e neste caso, da sua avó para a Hariel, a neta”, completa Ana Paula.
Os Zigidas estão e seguem tecendo caminhos entre as obras, entre o Gabão (origem de Revignet) e o Brasil, entre avó e neta, na relação do pai com a filha, com a terra, entre outras maneiras de estar nos mundos. A solo aberta no sábado (21/10) na Mitre Galeria (BH/MG) é água fresca e cristalina, os cheiros familiares, o farfalhar das folhas, os ruídos dos mercados, um abraço quente e cuidadoso, todo amor e intimidade.
Formada em Arquitetura e Urbanismo pela UFG, Revignet é artista plástica com práticas autobiogeográficas. Seus trabalhos manifestam intersecções sociais a partir do feminismo negro com o foco decolonial afrodiásporico e ameríndio. Trabalha com poesia onírica, performances, colagens e costuras de elementos da natureza como forma de ritualística-tempo-espaços para ativar curas nos corpos astrais.
Serviço
R. Tenente Brito Melo, 1217, Barro Preto, Belo Horizonte
Terça à sexta, 10h às 19h
Entre Mundos, dentre as águas
Por Ana Paula Alves Ribeiro
Hariel Revignet. Artista visual e performer, arquiteta e urbanista. Estas apresentações dão e ao mesmo tempo não dão conta de quem Hariel é e de como suas obras se instauram no campo das artes. Hariel. Mulher de terreiro. Poderia falar que é uma escolha. É mesmo? Brasileira-gabonesa/Gabonesa-brasileira. Por que assim foi feita.
Falar da obra de Hariel Revignet requer um olhar atento. A sua obra entrega de imediato temas sempre pertinentes e contemporâneos como ancestralidade, cuidado, comunidade, mas ao chegar mais perto percebemos alguns movimentos que nos fogem aos olhos. De perto, suas obras apontam para outras possibilidades de apreensão que estão além das tradicionais e da predominância da visão neste campo artístico. São obras táteis, onde sentir as texturas e imaginar outros caminhos, experienciar, cheirar (enquanto ato) ou sentir cheiros, ativando assim o olfato. Ouvir e perceber o invisível faz parte do seu processo artístico e de investigação. Nada nas obras de Hariel é sem investigação e sem um acurado caminho de escuta, de observação e interlocução com quem habita os vários mundos pelos quais transita.
É em relação com os diversos mundos que sua arte ganha força, em um diálogo com o sensível, com o sensorial, com o que está posto e com o que se permite mostrar, em um caminho de respeito sendo operado em cada uma das suas obras. Seus trabalhos alcançam grandes escalas e extrapolam o espaço das telas, ganhando paredes, subindo e se esparramando, como raízes em tempo de fixação na terra e no tempo.
AXÉTETURA
Este conceito, cunhado por Hariel Revignet em seu trabalho de conclusão de curso, parte das suas investigações sobre o território, mas principalmente sobre seus pertencimentos aos territórios nos quais circula, aos quais pertence. Suas obras tecem, com muito cuidado, algo que é caro tanto às suas formações e diferentes culturas, conhecimentos e formas de saberes: o que foi aprendido em terreiro, em contato com suas ancestrais, com amigas e parceiras de trabalho artístico, no colo da sua avó. Da mesma forma como na Arquitetura, ou o que apontamos aqui, a própria AXÉTETURA: a materialidade das coisas, e, principalmente, o material utilizado nas suas obras. As obras são entendidas como pintura-instalação, costura-amarração, performances-rituais, poesias-visuais, que honram e respeitam o que o mundo dá e o ciclo espiralar da existência, para além das dualidades ocidentais: humano e não humano, o que vive agora e não viverá daqui a algum tempo, o que reluz e o que se apaga, as sementes e seus frutos.
“Entre o visível e o invisível, não dá mais para deixar subentendido: As fronteiras imaginadas pelos colonizadores precisam queimar, o que foi construído a partir do que foi roubado precisa ruir. As dívidas precisam ser pagas”, nos sopra Hariel.
Ela faz parte de uma geração que cresce contracolonial. E ser contracolonial não é apenas um movimento político, é, antes de mais nada, uma condição de existência, de quem nasceu e viveu entre culturas, países e continentes. Decolonialidade, neste movimento de viver e compreender o que significa o lá e o cá, nunca lhe coube. Sabe e também descobre, pelas histórias que lhe são contadas, histórias de travessia neste mundo contemporâneo, de escolhas, de quem se vai e do que (ainda) dói, que só há uma opção - ser contra para viver plenamente, realizar desejos e sonhar, como suas antepassadas, as mulheres dos mercados, aquelas que cruzam com Hariel Revignet nas ruas ou as encantadas que habitam as florestas a ensinaram. Então, como fazer quando essas questões ressoam em nós? Como dar conta do que nos guia e nos impele a voltar à casa e ao colo dos seus e suas?
No momento em que abre a solo na Mitre Galeria, faltará pouco menos para completar os quase três meses do início de sua viagem. Hariel retorna ao país que foi seu lar, onde está parte da sua família e sua história, a República Gabonesa ou Gabão, na África Central. Intuía ser fundamental voltar ao país após quase duas décadas sem lá pisar, de um afastamento não intencional, com o desejo de rever seu pai, sua avó, seguir rastros da menina que ela era quando saiu do país aos dez/onze anos e reencontrar memórias do seu passado, mas também do seu futuro. Hariel, que nasceu em Goiânia/Goiás, filha de um casamento entre uma brasileira e um gabonense que havia migrado para o Brasil para estudar e, então, voltar à sua terra e à sua família, faz o mesmo movimento que o pai realizou na década anterior. Retorna à casa, aquela que não está aqui, mas está lá, em África.
Voltar à casa, e voltar à casa significa voltar à terra: voltar a outros modos de habitar, vestir, comer, pensar, trabalhar, crer e amar. Tché Yazo. Nossa terra.
O retorno também parte do desejo de Hariel, agora adulta, em compreender seus chamados, cosmovisões mais afrocentradas em seu outro lar, fora do processo da diáspora. Parte da tentativa de compreender o que seguia ressoando em seus trabalhos, na interlocução constante com seu pai e na relação de afeto, parceria e respeito que foram reconstruindo após suas perdas, afastados em dois continentes, mas sabendo pertencer ao mesmo chão. Aqui este retorno diz também respeito a sua arte, a sua construção investigativa que, em diálogo com a encantaria indígena e em uma construção autobiogeográfica, tenta ofertar neste movimento o que do Gabão e da sua família seguia com ela e em suas pinturas.
As obras:
As obras de Hariel se inscrevem no campo da pintura figurativa, onde nas últimas décadas temos percebido uma maior entrada de artistas negras e negros em galerias e museus. Aqui, o debate não se restringe, e na realidade vai além das formas como pessoas negras eram e ou são representadas. Estamos falando da circulação de artistas que optam ou têm permissão de narrar histórias e construir suas próprias imagens e obras em diálogo, mas não necessariamente, com a existência negra. São imagens de si, imagens de amor, imagens políticas, imagens rituais. Imagens de pertencimento, de intimidade, de cuidado. Imagens e histórias que curam, que amarram, que convidam. Ao mesmo tempo, fazendo parte deste cenário, Hariel aciona em suas obras referências e imagens de outras artistas, como Rosana Paulino (BR) ou Betye Saar (EUA). Também em seus quadros, Hariel se inscreve no movimento de trabalhar a partir do que viu/percebeu e registrou nas suas fotografias nos mercados, das pessoas e das suas rotinas, da arte têxtil e das roupas vendidas e usadas pelas mulheres. Do movimento das ruas e dos símbolos entalhados em portões e que dialogam com o que está no corpo e na forma de estar no mundo. Em uma constelação de referências destes artistas locais e de tantas outras guias que, estando lá, são também seus e suas e na relação de pertencimento. São registros da sua comunidade, da nossa comunidade. Aqui não estamos falando de representações, repito. São construções afetivo-familiares e políticas da sua casa, de sua terra.
Das obras anteriores temos a presença de cenas, em dípticos e trípticos, que narram cenas e histórias. Há uma reconexão com a matripotência e seus papéis em mercados, nas famílias, nas ruas, na comunicação cotidiana. Da compreensão dos papéis das mulheres em sociedades africanas, em chaves de leitura muito diferentes das Ocidentais. Permanecem ainda a paleta das tintas utilizadas, em tons terrosos e suas variações. Aqui, em algumas obras, em cores mais alaranjadas e na presença do amarelo ouro, amarelo Oxum, amarelo fartura, amarelo de vida e segredo feminino. Também das obras anteriores, a compreensão da vida em todas as suas dimensões e fluxos, não hierarquizando os elementos de suas pinturas-instalações ou desta costura-amarração feita dentro das obras e entre as obras. Todos os elementos são fundamentais: o que é pintado e o que é permitido ser mostrado, assim como cascas, raízes, sementes, folhas, fios.
Algo que está presente em todas as obras desta exposição é o Zigida ou Sikida, símbolo de riqueza e sensualidade, arma de sedução, fio de contas que fica abaixo do umbigo das mulheres e atrai fertilidade. Vendido em mercados e fazendo parte de várias culturas africanas, o Zigida é também objeto ritual, cujo significado é passado de geração em geração, pelas mãos das mais velhas, e neste caso, da sua avó para a Hariel, a neta.
Aqui também há uma forte referência das imagens fotográficas, de imagens de fotógrafas e fotógrafos africanos, mas também da dimensão da intimidade daquela que retorna para casa e monta seu álbum: a floresta, a casa e suas imagens de intimidade: os abraços, os sussurros e segredos, o mercado e suas trocas, as mulheres que o movimentam e lhes dá vida, as ruas e quem as habita. Imagens que são permitidas registrar e posteriormente pintar. O álbum público desta viagem de retorno, agora partilhada.
Retornar:
A Floresta - Igâ
[Painel Tríptico]
Atravessar a floresta e percebê-la em fragmentos faz parte do rito de passagem, do seu rito de passagem e de retorno ao lar. Não se chega a casa e ao coração do lar - a avó - se não passar pela floresta. É quem cuida para que este retorno seja permitido e que Hariel criança se mostra adulta e pronta para receber parte do seu legado. Frente a um mundo de intensa complexidade, a floresta é cuidado, é casa antes da casa, é o que firma e atravessa na certeza dos tempos. No painel central, uma mulher com uma folha nos olha atenta, nos escutando e se fazendo ouvida. É na Floresta que se revela o que se pode ou não. Ver ou mostrar. Saber e contar. É permissão. A Floresta é Benção.
A Casa Nago em Myènè
[Painel único]
Nossa família. A casa de sua avó e de seu pai deixam de ser deles neste processo de retorno e passam a ser também de Hariel. Como é um abraço de avó há tanto tempo não dado, quase esquecido? É no colo da avó que Hariel re-aprende a ser filha daquela terra. É no colo da avó, em seu abraço e nos olhares cúmplices que entende ser sim, família. Na obra, avó e neta estão vestidas e ornadas com roupas e jóias que dizem: ‘Somos daqui. Fazemos parte’. Ambas estão com os pés nas águas, águas que dividem e partilham os dois continentes que habitam. Água que é memória e o que não se acaba, não se esquece. A água dos segredos femininos. Dos rios de Oxum, como o amarelo ouro que predomina na obra. No canto inferior direito, uma tartaruga. Ancestralidade, senioridade, longevidade, memória e proteção, passadas de avó para neta. Nas mãos da avó, o Zigida, que atravessa as águas e as une.
Gi’kassa, o mercado
[Painel Tríptico]
Impossível pensar as Áfricas e os países que fazem parte da afrodiáspora sem falar dos mercados e da sua fundamental importância comunitária, econômica, das redes de circulação e convivência. Não se chega em um mercado sem disposição para trocar, aprendemos. É ali, no mercado, que estão a sombra três mulheres. Em suas funções, suas expressões corporais, suas cabeças e seus trançados, o que se esconde e o que se mostra, tudo tem significado. Em suas roupas, as estampas e a produção da arte têxtil reproduzem búzios, flores e folhas. Nas pinturas, enquanto cena, o que produzem e como estão em evidência. Lugar de abundância, os mercados são também lugares de energias firmadas, de encantaria, de poder espiritual (consciente e inconsciente), do que se pede e o que se dá, do que se leva para casa ou se guarda consigo. É no mercado que as relações mais públicas estão postas, em eterno movimento e gira.
rua Mponô
[Quatro painéis]
A rua é a última (e talvez a primeira) coisa que se vê. É o processo de despedida ou um até breve. Entre o movimento de chegar e partir, se abismar e re-conhecer os portões das moradas, suas ocupantes, as telas apontam caminhos para pensar moradias e habitações, mas principalmente, o poder das ruas. Pintar as ruas é agradecer a quem permitiu chegar até ali, quem permitiu e permite diariamente trilhar nossos caminhos, os cotidianos e os da vida. Passar pela rua e pensar as ruas também significa reconhecer as portas como portais, como portões, sempre mágicos: é o que guarda, protege, vigia. É o que cuida, da porta para dentro e da porta pra fora, e tão significativo pois também possibilitam contar histórias, em cada entalhe, em cada cor pensada, em cada ação do tempo, em cada símbolo, como estética e mensagem para desavisados ou iniciados. A obra que encerra a exposição é um convite para que nos lembremos o que Hariel nos mostra a partir deste retorno: o que é permitido falar e contar e como. Com proteção. Sua benção.
Referências:
Conversa com Hariel Revignet, por Ana Paula Alves Ribeiro. Goiânia-Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2023.
OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ. A invenção das mulheres: Construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Tradução: wanderson flor do nascimento. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021
PAULINO, Rosana. Rosana Paulino: A costura da memória. Catálogo. Exposição Pinacoteca, 2018.
PORTFÓLIO HARIEL REVIGNET, 2023.
SOMÉ, Sobonfu. O espírito da intimidade: Ensinamentos ancestrais africanos sobre maneiras de se relacionar. Tradução: Deborah Weinberg. São Paulo: Coysseus, 2018.
Sobre a Mitre
Belo Horizonte, Joanesburgo, Cidade do Cabo, São Paulo, Nova York, Liverpool. A primeira metade do ano foi intensa para a Mitre Galeria, que consolidou seu espaço não só como uma das principais galerias de Belo Horizonte, mas também do país.
2023 começou com uma mudança de nome e posicionamento. Antes Periscópio, a Mitre inaugurou duas exposições na galeria no Bairro Preto, a primeira, coletiva MAA, uma bela síntese de sua nova proposta. Já a segunda, foi com o artista sul africano Jabulani, em uma parceria com a galeria Goodman Gallery, da Cidade do Cabo.
Depois de uma feliz participação na SP Arte, fez história em Nova York como a primeira galeria de Minas Gerais a participar da Frieze, uma das principais feiras de arte do mundo. Por lá, mostrou o trabalho do artista Marcos Siqueira que foi destaque em diversas publicações, entre elas o jornal New York Times. De Nova York para Liverpool, onde Isa do Rosário, artista representada pela galeria, integrou o time de artistas da 12ª edição da Liverpool Biennial of Contemporary Art, na Inglaterra.
O segundo semestre começou com boas notícias, com a artista mineira Luana Vitra, também representada pela galeria, sendo uma das ganhadoras do Prêmio Pipa e selecionada para a Bienal de SP.
Agosto seguiu em ritmo acelerado com a abertura da exposição individual do artista Wallace Pato. A Mitre Galeria também participou para a 2a edição do SP Arte - Rotas Brasileiras.
Ficou pronto no domingo (22/10) um mural de 200m2 no Bairro Lagoinha, feito pelo artista italiano Millo. O mural, que faz parte da programação da Giornata del Contemporaneo, que acontece durante todo o mês de Outubro é uma ação do Consulado da Itália em Belo Horizonte em parceria com a Pública, agência de arte de Juliana Flores, uma das idealizadoras de importantes projetos de arte pública da cidade como o CURA, MAMU - Morro Arte Mural e Festa da Luz. A pintura tem o apoio da Prefeitura de Belo Horizonte e do Viva Lagoinha.
“Quando veio o convite do Consulado, logo nós pensamos que teria que ser na Lagoinha, pela ligação do bairro com a Itália e também porque já havia acontecido uma ação do Consulado em 2018, quando trouxeram a Alice Pasquini, uma artista italiana que pintou o viaduto da Lagoinha” conta Juliana Flores. “Chamamos então o Felipe Thales, do Viva Lagoinha, um parceiro com quem já havia trabalhado no CURA Lagoinha e que, por coincidência, tinha o sonho de ter um mural do Millo no bairro. Ele mapeou todas as empenadas disponíveis e nossa escolha foi por estar numa rua histórica, que é a Rua Itapecerica, onde rolavam as pedras da pedreira Prado Lopes, fundação de Belo Horizonte. É uma rua que merece toda a nossa atenção, o mural é também um convite, um estímulo para uma ocupação criativa e cultural” finaliza.
A obra de Millo está na rua Itapecerica, nº 508, na empena do galpão de mercadorias apreendidas da Receita Federal. É a primeira vez que o artista pinta no Brasil e a obra condensa várias camadas de significado do bairro como a população que vive de coleta e venda de sucatas, esse coração grande que une toda a população que luta pela requalificação do bairro e também articula com a temática de sustentabilidade da Giornata del contemporaneoao trazer o tema da reciclagem. “Sabia que a Lagoinha foi o primeiro bairro onde chegaram os imigrantes italianos no início do século passado. E que também hoje enfrenta desafios ao mesmo tempo em que é conhecida por parte da população que realiza a coleta. O mural é uma homenagem a tudo isso, onde mostro um personagem que arrasta pela cidade objetos que tomam a forma de um coração. É uma vontade de fazer este coração voltar a bater forte.”
Millo, nome artístico de Francesco Camillo Giorgino, pinta murais em grande escala que mostram habitantes amigáveis explorando seu ambiente urbano. Ele usa linhas simples em preto e branco com traços de cor quando necessário, e muitas vezes incorpora elementos de arquitetura em suas pinturas. O artista participou dos principais festivais de arte urbana do mundo e é um dos principais nomes da arte contemporânea urbana mundial.
Giornata del Contemporaneo
O Consulado da Itália em Belo Horizonte traz a 19ª Giornata del Contemporaneo, iniciativa promovida pela AMACI, Associação dos Museus de arte contemporânea italianos, para o bairro Lagoinha em Belo Horizonte. A Giornata del Contemporaneo abre espaço para refletirmos sobre a natureza e as interações, interseções possíveis sobre arte, design, ciência sobre visões de mundo e futuros possíveis. Para a Ocasião o Consulado da Itália traz o artista Italiano Millo, um dos principais nomes da artes contemporânea urbana mundial! A iniciativa tem o apoio da Direção Geral de Criatividade Contemporânea do Ministério da Cultura italiana.
Realização: Consulado da Itália em Belo Horizonte - Giornata del Contemporaneo/ AMACI - Associação dos Museus de arte contemporânea italianos
Produção e curadoria: Pública/Juliana Flores
Parceria: Viva Lagoinha/Filipe Thales
Apoio: Prefeitura de Belo Horizonte